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frestas

Enquanto o Estado tenta te matar

Julho de 2020. Brasil, Rio de Janeiro.

Pandemia. Afastamento Social. "Fique em casa". E quem não tem casa? O grupo nasceu com o nome "Arte Socialmente Implicada ou

Enquanto o Estado Tenta Te Matar".

Proposto à Escola Sem Sítio, foi generosamente acolhido. Encontros viabilizados e mediados por plataformas digitais. Gravados. Controlados. Entrada livre. Ninguém paga. Entra quem quer. Quem pode. Quem tem acesso à rede. Corpos estranhos. Corpos que se estranham. Desejam penetrar. Invadir. Contaminar. Não gostou? Sai. Quer voltar? Volta.

Tentativa de encontrar a errância, o acaso, o dissenso que a cidade nos garantia.
Improviso. Incômodo. Ação. Arte Implicada está em plena ação! Hoje organicamente implicados, seus participantes se auto organizam, geram demandas, produzem.

Até quinta-feira que vem

Abril de 2021. Todos os lugares.

Mundo pandêmico.
As quintas-feiras passaram a ser dias esperados. 
Todos se mantinham pelo maior tempo possível... desconhecides! 
O acordo foi não fazermos apresentações formais.
Eram quase cinquenta pessoas.

Hoje não passamos de doze.
Entra quem quer. Não gostou? Sai. Nosso grupo de desconhecides, se tornava cada vez mais um grupo de implicades.  Ganhando novos contornos, amorfos e temporários. 
Ficcionar contornos na fricção. Saber abrir mão.  Procurávamos um jeito de pensar e partilhar o mundo juntes. Podíamos sonhar, devanear, voar,  mentir, enganar a morte, essa armadilha. Combinávamos de não morrer,

essa estratégia.
Até quinta-feira que vem. 
Nunca teremos todes o mesmo sonho...acreditem! Coragem!

frestas - arte socialmente implicada
frestas - arte socialmente implicada
frestas - arte socialmente implicada
Andréa Ratton
Videoperformance.
Rio de Janeiro, Brazil.
[2021].
Artista: Vinícius Davi (Brazil).
Arte Socialmente Implicada - Escola Sem Sítio
Projeto curatorial: Aye Ko (Myanmar), Qing Cai (China), Sa Zi (China)
frestas - arte socialmente implicada

Acabou que não deu pra gente colocar tudo na conversa hoje.. Mas ainda sobre o q os encontros  afetaram, penso q a variedade das linguagens do grupo foi bem interessante pra mim, foi o q me prendeu, eu queria saber de onde cada um vinha, quais caminhos percorreu... E é difícil encontrar isso, tem alguns lugares onde o discurso é muito único, engessado, são sempre as mesmas pessoas falando as mesmas coisas. Apesar de estar a pouco tempo nessa vida de artista, esse ano eu tô chegando em alguns lugares interessantes, tô na terceira residência via seleção e tô experimentando muita coisa nova. Eu achava que era "só" fotógrafa e tô me descobrindo muito além disso. E acho que isso tudo se dá por essa riqueza que a gente vai acumulando ouvindo as histórias de cada um, aprendendo com os suportes e técnicas que cada um usa nos trabalhos, sabendo os caminhos que cada um percorreu etc.

Ana Bia Novais

Ana Bia Novais

Mas quem não é do meio, quem não compreende essa linguagem, não vai decodificar, não vai. Vai achar exatamente que é isso, que é algo festivo e que é rítmico, que domina o corpo e quando você vai expressar no corpo é aquele samba quadrado de quem não tem pertencimento, de quem não consegue sambar, é descompassado. Nada contra, mas é compreender que aquilo é uma linguagem, aquilo é uma gramática, uma narrativa e que para você ser alfabetizado naquela gramática, você tem que incluir as questões africanas sim, porque ela é fundamentalmente originária desse continente, então não dá para a gente tentar maquiar, tentar compreender aquilo sobre uma outra perspectiva, não vai decodificar.

Trecho da apresentação de Celso Honório em um dos encontros do Arte Implicada.

Sopro - Alexandre Paes
frestas - arte socialmente implicada
Núbia Fernamo
frestas - arte socialmente implicada
Amanda Tavares
no name - dinâmica coletiva
frestas - arte socialmente implicada

"Não se programe hoje não, só abre a porta, você já está acostumada com esse lugar, né? Olha de novo, tem que ter algo novo aí.

Queria muito saber o que está acontecendo aí, aqui ainda está tudo meio ruim!

Estou com saudades.

Olá. Espero que possa me ler aí nesse primeiro de maio."

trecho "carta para o futuro"
Ana Bia Novaes
frestas - arte socialmente implicada

Fernanda Moraes
Stay home, 2020
Bordado feito à mão sobre linho

mind the gapAna B.
00:00 / 00:10
frestas - arte socialmente implicada
Ana B.
frestas - arte socialmente implicada
Bernardo Bazani

Há alguns meses me encontro com um grupo de estranhos espalhados pelo globo. Às quintas-feiras, as vozes desses estranhos invadem meu quarto. Fazemos e falamos de tudo. Nosso tempo passa tão rápido que quase me esqueço que são mais sete dias até que voltemos a nos ver. Já sinto a falta assim que desligo a câmera, mas tudo que foi dito ali não fica ali e meu corpo pega fogo por mais algumas horas - às vezes dias, e já são meses.

Nesses encontros traçamos estratégias e analisamos armadilhas, e a cada vez que nos despedimos prometemos não morrer. Conceição Evaristo nos ensinou e nós combinamos de não esquecer. Durante a semana tento não morrer. Dou o meu melhor para não deixar que me matem, mesmo que eles me matem um pouco. Eles me matam um pouco, mas agora é quinta-feira de novo. 

Porque eu não estou onde estão e seus corpos são apenas cabeças, corpo e território transformam-se em corpo-território. E porque ambos envolvem disputa e a iminência de morte, enxergo uma palavra onde antes havia duas. Antes haviam uns 40 corpos em pelo menos 6 territórios e da última vez fomos 4 em 3, mas porque o que acontece ali não fica ali seremos o triplo de quaisquer números somados. 
E logo será quinta-feira de novo.

Gabriela Floriano

exercício coletivo proposto por Vinícius Davi
frestas - arte socialmente implicada
olhos de Núbia Fernamo vistos por Bia Petrus
Leitura Coletiva com Vinicius Davi
frestas - arte socialmente implicada
Marcelo Wasen

Implicado e juntiplicado

Há anos venho atuando e refletindo sobre como criar/habitar/fomentar coletividades. Foram contextos diferentes, cidades e agrupamentos de pessoas distintas, unidas por razões completamente heterogêneas. Nas salas de aula cada turma se engaja de uma maneira e a mesma “matéria” muda toda vez que um novo grupo se inicia. Mas a motivação ali sempre tem um pano de fundo mais ou menos visível (alguma formação educacional). Em uma rádio comunitária a “cola” se dava na potência de ouvir música no espaço público, partilhando utopias e “falando ao vivo na rádio”. Em uma exposição coletiva, feita com jovens da Maré, a desculpa de montar algo no museu comunitário acabou desembocando em pesquisas sobre contos e lendas da região, criando uma rádio-novela com o grupo de contadoras e contadores de histórias.

 

Mas sempre existe um “fator aglutinante”. E porque esse grupo se encontrou durante meses, semanalmente? Qual era a “cola”? No começo havia um certo mistério, jogos para sair do marasmo de ser “mais um encontro virtual”, uma sequência de monólogos que, mesmo antes da pandemia, nos assombram nas reuniões. E isso me atraia mais e mais. Como tornar um encontro dinâmico, vivo, instigante? Essa pergunta fundamental era a força motriz que sentia vibrando a cada semana. Colo abaixo um trecho do e-mail que escrevi para uma das “catalisadoras” deste projeto, em um momento que senti uma certa “guinada”.

“Nossa... tô ainda impactado com a força do encontro de hoje. Não que cada um dos anteriores não foram bons. Viemos construindo um "espírito de grupo" muito interessante, plural e atravessado. Difícil de encontrar uma genealogia exata: acho que é algo do grupo como um todo, com histórias de vida (e mortes) que vieram sendo compartilhadas, junto com trechos super potentes dos textos e até, inclusive, com as fagulhas e desentendimentos - que ao meu ver sempre acabam catalisando processos e amadurecendo as coletividades. Mas não sei, hoje parece que passou um cometa, alinhavou muitas questões fundamentais, deu uma “liga” que agora aponta pra planos futuros. O que podemos fazer neste modus operandi que criamos, um modo implicado e juntiplicado?”

 

Antes de acabar acho que tenho que ressaltar algo: o tema “socialmente implicado” é batata quente. Foi assunto da minha tese, é assunto constante das minhas práticas, onde tenho este cuidado constante: como não se impor? Como trazer a força criativa de cada pessoa no grupo, mas que ela seja atravessada pelas “outreidades”? Muitas vezes estes tipos de trabalhos se diluem na vida. Outras vezes apresentam uma forma camaleônica. Dependendo do contexto aparecem com “cara de obra de arte”, ou como “trabalho social”, educação e por aí. Porém sempre há uma responsa envolvida. De certa forma este grupo mesmo foi o lugar para praticar tudo isso que somos atraídos. Só posso agradecer pela criação deste espaço múltiplo, onde tantas Diferenças puderam se encontrar.

Marcelo Wasen

Leitura Coletiva baseada na prática Movimento Autêntico por Soraya Jorge. Para Ler em Voz Alta, Cristina Ribas, Outubro de 2014.
frestas - arte socialmente implicada
Claudia TS

Sonhei que estava numa sala de aula no ensino médio, esperando a aula de matemática começar. A professora tinha um cabelo vermelho intenso, bagunçado e caótico. Sentei na primeira fileira, e havia um menino na carteira em frente a minha, não estudei com ele na escola, tinha a cara de uma pessoa que vi no instagram e mal falei a alguns anos atrás, e nós conversamos enquanto nos perguntamos se a professora viria, se ela estava viva, se estava recebendo o seu salário. Ela chegou, e continuei falando com esse menino, até que uma hora ele me pediu para pesquisar algo que eu acharia legal, mas eu não conseguia entender, ele sussurrava várias vezes e eu não conseguia entender; até que eu desisti e falei para ele virar para a frente se não a professora ia brigar com ele. Meu celular caiu no chão depois, fui pegar e ele também abaixou, encostou o braço no meu, e me deu um bilhete com algo escrito. Trocamos mais olhares durante a aula, não cheguei a ler o bilhete, só o segurei na minha mão esquerda o tempo todo. Toda vez que ele olhava para mim era como se só existisse ele nesse sonho. No fim, eu lembro que comecei a prestar atenção na aula, e a professora estava fazendo um quadrado com 9 divisões geométricas (como uma hashtag), com algumas formas pintadas em laranja na lousa e em um papel também, que ela começou a dobrar de uma forma estranha, até que ela passou um produto no verso desse papel e explicou que um desenho apareceria no verso com a cor inversa (azul). Por algum motivo, só parte do desenho saiu negativa, e era muito diferente do outro lado da folha, mas ainda parecida. Acordei triste.  

do arquivo de sonhos
Vê - Proposição inédita para a Mostra de Videodança XIV Mostra UM's e Outros - O corpo e os entretempos, do UM – Núcleo de Pesquisa Artística em Dança (Curitiba). Videodança sob orientação de Bia Petrus | Arte Socialmente Implicada ou Enquanto o Estado Tenta Te Matar - Aymoré/Escola Sem Sítio (Rio de Janeiro), 2020.

No começo do segundo semestre deste ano marcado por uma pandemia de escala global, eu respondi a chamada para um curso que se anunciava como: "Ações artísticas socialmente implicadas: potências, fracassos e armadilhas (ou Enquanto o Estado Tenta Te Matar)". No breve parágrafo enviado para a seleção do curso o que me motivava era uma série de questionamentos que partem das subjetividades pelas quais eu sou atravessado sendo um homem negro, viado e imigrante.

 

Como os marcadores sociais aos quais eu me vejo implicado se refletem no meu trabalho? O meu trabalho é socialmente implicado? O meu trabalho precisa ser socialmente implicado? O fato do trabalho ser realizado por uma pessoa com a trajetória marcada por essas subjetividades já não o torna de alguma forma implicado? Quais as armadilhas? Esses são alguns dos questionamentos acerca do trabalho que venho desenvolvendo nesses quase 10 anos de produção. São muitas dúvidas, poucas certezas (ou nenhuma), alguns medos, insegurança e sonhos.

 

 

O Outro está sempre para mim no terreno do mistério, da especulação, da fantasia. Do que eu projeto de mim no outro e das expectativas criadas desde então. A minha experiência inicial no grupo foi marcada por insegurança, estranhamento e encanto. Conseguia identificar ali muitas inquietações das quais eu partilhava, mas ao mesmo tempo me sentia deslocado. Esse deslocamento e toda a estranheza que eu sentia, em parte vinham do medo do desconhecido e das dinâmicas desenvolvidas em grupo, que eram totalmente diferentes das que eu já havia experienciado. Estávamos estudando, discutindo, discordando, nos revelando coletivamente, mas sempre eu olhava e sentia o grupo com um distanciamento que me causava desconforto.

 

Não sei precisar em qual momento o Eu e ou Outro se tornou Nós. Negociei internamente durante um bom tempo até me permitir mergulhar de cabeça na floresta fértil que esse grupo se tornou para mim. Um grupo muito diverso, pouco hierarquizado, que se permite errar, que acolhe, que provoca, que traz reflexões, que está sujeito a armadilhas, mas é muito rico, muito potente. Temos a rua como elo de ligação, temos inquietação e curiosidade. O Estado continua tentando nos matar, mas seguimos agora mais fortes e organicamente implicados.

Marcel Alcantara

Conversa Coletiva do grupo Arte Socialmente Implicada com Alessandra Carius, Mariana dos Reis (Coletiva Bem Viver), Thaís Paiva (Coletiva Feminista Popular) e Julia Casamasso Mattoso (Coletiva Feminista Popular).



Alessandra Carius estuda Arquitetura e Urbanismo na Universidade Santa Úrsula. Participou do projeto de extensão Rio Capital Mundial da Arquitetura 2020, no Centro Carioca de Design. Estudou Teatro pela Placenta Cia de Teatro Ritual e Antropológico, e apresentou o espetáculo "Memórias de Sulawesi". Desenvolve pesquisas que entrelaçam Arquitetura, Urbanismo e Teatro. Compõe a ONG Índios em Movimento.

Mariana dos Reis é professora de estudantes deficientes visuais no Instituto Benjamin Constant. Educadora popular, atua como coordenadora de Pré-Vestibular de favela (Morro do Estado) desde 2007. Foi professora de Prés-Vestibulares como CEDERJ, Só Cria e Ceasm Maré. Atuou ativamente junto ao movimento de ocupações de escola com rede de apoiadores de estudantes e sua tese de doutorado descreve essa experiência. Feminista negra e colunista de temáticas sobre a mulher negra e educação pública. Militante anti-racista. Foi co-candidata a vereadora com a Coletiva Bem Viver do Rio de Janeiro.

Julia Casamasso Mattoso é graduada, mestre e doutora em Filosofia. Professora do ensino básico nas redes pública e privada de ensino em Petrópolis RJ. Foi co-candidata a vereadora com a Coletiva Feminista Popular.

Thaís Paiva é artista, educadora popular e mestranda em Cultura e Territorialidades. Construiu a Escola de Teatro Popular do Rio de Janeiro e foi co-candidata a vereadora com a Coletiva Feminista Popular de Petrópolis.

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escrita coletiva

Implicados, Implicadas, Implicades: Gabriela Floriano, Fernando Porto, Alessandra Carius, Lino Rocha, Ingryd Di, Alexandre Paes, Claudia Costa, Marcelo Wasen, Luíza Donner, Dôda Paranhos, Claudia TS, Bia Petrus, Vinicius Davi, Ana Bia Novaes, Andressa Boel, Agripina Manhattan, Marcel Alcantara, Julia Saldanha, Amanda Tavares, Fernanda Morais, Celso Honório, Andréa Ratton, Rayssa Veríssimo, Bernardo Bazani, Nathália Rinaldi, Mayara Velozo, Everson Verdião, Ana B., Arian Carvalho, Núbia Fernamo, Marcelo Oliveira.

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